A Deterioração da Ultrassonografia
Dr. Domingos José Correia da Rocha (*)
Uma das características mais propagadas da ultrassonografia é a de operador-dependente. Todos os médicos especialistas ou não, deveriam saber o que significa operador-dependente. Parece tão óbvio, que é necessário treinamento em ultrassonografia, obediência do tempo mínimo de duração do exame e conhecimento básico em Medicina. Mas o que deveria ser óbvio, para se aproximar do concreto, ficou distante e aproximou-se do abstrato, ou seja, alguns nem existem.
Um exame ultrassonográfico serve para resolver um problema clínico, subsidiando informações de diagnósticos ou como check-up com o objetivo de descobrir doenças antes da exacerbação da clinica, favorecendo a possibilidade de cura de muitas doenças.
Parece que para ser um ultrassonografista não precisa ter nenhum critério, basta apenas ser médico com vontade de ganhar dinheiro, aprender a ligar o equipamento, movimentar o transdutor, às vezes não movimentá-lo e deixar a aparecer umas imagens em preto e branco (nem precisa a escala de cinza) e está pronto o exame.
Certa feita, por curiosidade, analisei nas fotos o tempo de duração de cerca de 100 exames do abdome, e o tempo médio foi de 3 a 4 minutos e 150 exames de tireóide, com tempo médio de 2 a 3 minutos. Estes exames estavam com protocolos incompletos e relatórios com poucas palavras, quase telegráficos denotando o total descumprimento com a Medicina.
A maioria dos exames nos quais estou me referindo, foram realizados por ultrassonografistas com mais de 10 nos de prática. Propositadamente não coloquei mais de 10 anos de experiência porque ficaria mais incoerente, pois na experiência verdadeira o tempo é fundamental para se conseguir obter exames com qualidade. Aliás, a quantidade é o que vale; é o exame flash executado pelo ultrassonagrafista minuto. Venho procurando uma palavra que possa substituir o termo exame e descobri a BI (brincadeira irresponsável). Por isso, então, quando o clínico prescrever deve solicitar um BI do abdome, uma BI da tireóide e etc. Fica mais coerente, menos hipócrita e todos ficam felizes em brincar de ser médico, com a vantagem de ainda ganhar alguns trocados.
Alguns argumentam que a experiência permite realizar exames num tempo curto e aí esta a camuflagem, porque estes querem que sejam chamados de gênios e os que demoram a realizar o exame sejam chamados de tolos.
A ultrassonografia ficou dividida entre os tolos, a minoria e os gênios, a maioria, numa guerra silenciosa e perversa, na qual a medicina vai de roldão para a sarjeta.
Não consigo entender quando encontro alguns ultrassonografistas nos congressos, por que apesar de irem continuamente aos eventos, a qualidade do trabalho ficou estanque, por isso creio que eles desejam é aprender a trabalhar mais rápido, “fazendo de conta” que estão fazendo medicina verdadeiramente de qualidade.
Quando a maioria faz da mesma maneira, vira verdade e é isto o que vemos na medicina atual. Clinicas de fachada, médicos de fachada. Uma verdadeira débâcle da medicina, na qual a maioria dos exames é ordinária, onerando os planos de saúde, que por sua vez diminuem suas margens e todos, inclusive os pacientes, estão num círculo vicioso de retrocesso e de difícil solução.
Plagiando as correspondência de cobrança, “desconsidere se já estiver pago”, desconsidere, portanto, os que fazem os exames com tempo mínimo aceitável (cerca de 4 – 5 minutos exames por hora), com protocolos e relatórios com começo, meio e fim.
(*) É ex-presidente do Colégio Brasileiro de Radiologia (CBR) e membro da Comissão Nacional de Qualidade em Ultrassonografia do CBR.
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